sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Cartas de Amor - PRIMEIRA CARTA

PRIMEIRA CARTA

Considera, meu amor, a que ponto chegou a tua imprevidência. 
Desgraçado!, 
foste enganado e enganaste-me com falsas esperanças. Uma paixão de que 
esperaste tanto prazer não é agora mais que desespero mortal, só comparável 
à crueldade da ausência que o causa. Há de então este afastamento, para o 
qual a minha dor, por mais subtil que seja, não encontrou nome bastante 
lamentável, privar-me para sempre de me debruçar nuns olhos onde já vi 
tanto amor, que despertavam em mim emoções que me enchiam de alegria, 
que bastavam para meu contentamento e valiam, enfim, tudo quanto há? Ai!, 
os meus estão privados da única luz que os alumiava, só lágrimas lhes restam, 
e chorar é o único uso que faço deles, desde que soube que te havias decidido 
a um afastamento tão insuportável que me matará em pouco tempo.
Parece-me, no entanto, que até ao sofrimento, de que és a única causa, já vou 
tendo afeição. Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em 
sacrificar-ta. Mil vezes ao dia os meus suspiros vão ao teu encontro, 
procuram-te por toda a parte e, em troca de tanto desassossego, só me trazem 
sinais da minha má sorte, que cruelmente não me consente qualquer engano e 
me diz a todo o momento: Cessa, pobre Mariana, cessa de te mortificar em 
vão, e de procurar um amante que não voltarás a ver, que atravessou mares 
para te fugir, que está em França rodeado de prazeres, que não pensa um só 
instante nas tuas mágoas, que dispensa todo este arrebatamento e nem sequer 
sabe agradecer-to. Mas não, não me resolvo, a pensar tão mal de ti e estou 
por demais empenhada em te justificar. Nem quero imaginar que me esqueceste. 
Não sou já bem desgraçada sem o tormento de falsas suspeitas? E porque hei
de eu procurar esquecer todo o desvelo com que me manifestavas o teu amor? 
Tão deslumbrada fiquei com os teus cuidados, que bem ingrata seria se não te 
quisesse com desvario igual ao que me levava a minha paixão, quando me 
davas provas da tua.
Como é possível que a lembrança de momentos tão belos se tenha tornado 
tão cruel? E que, contra a sua natureza, sirva agora só para me torturar o 
coração? Ai!, a tua última carta reduziu-o a um estado bem singular: bateu de 
tal forma que parecia querer fugir-me para te ir procurar. Fiquei tão prostrada 
de comoção que durante mais de três horas todos os meus sentidos me 
abandonaram: recusava uma vida que tenho de perder por ti, já que para ti a 
não posso guardar. Enfim, voltei, contra vontade, a ver a luz: agradava-me 
sentir que morria de amor, e, além do mais, era um alívio não voltar a ser 
posta em frente do meu coração despedaçado pela dor da tua ausência.
Depois deste acidente tenho padecido muito, mas como poderei deixar de 
sofrer enquanto não te vir? Suporto contudo o meu mal sem me queixar, 
porque me vem de ti. É então isto que me dás em troca de tanto amor? Mas 
não importa, estou resolvida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem for, 
e asseguro-te que seria melhor para ti não amares mais ninguém. Poderias 
contentar te com uma paixão menos ardente que a minha? Talvez 
encontrasses mais beleza (houve um tempo, no entanto, em que me
dizias que eu era muito bonita), mas não encontrarias nunca tanto amor, e tudo o mais 
não é nada.
Não enchas as tuas cartas de coisas inúteis, nem me voltes a pedir que me 
lembre de ti. Eu não te posso esquecer, e não esqueço também a esperança 
que me deste de vires passar algum tempo comigo. Ai!, porque não queres 
passar a vida inteira ao pé de mim? Se me fosse possível sair deste malfadado 
convento, não esperaria em Portugal pelo cumprimento da tua promessa: iria 
eu, sem guardar nenhuma conveniência, procurar-te, e seguir te, e amar-te em 
toda a parte. Não me atrevo a acreditar que isso possa acontecer; tal esperança 
por certo me daria algum consolo, mas não quero alimentá-la, pois só à minha 
dor me devo entregar. Porém, quando meu irmão me permitiu que te 
escrevesse, confesso que surpreendi em mim um alvoroço de alegria, que 
suspendeu por momentos o desespero em que vivo. Suplico-te que me digas 
porque teimaste em me desvairar assim, sabendo, como sabias, que terminavas 
por me abandonar? Porque te empenhaste tanto em me desgraçar? Porque 
não me deixaste em sossego no meu convento? Em que é que te ofendi? Mas 
perdoa-me; não te culpo de nada. Não me encontro em estado de pensar em 
vingança, e acuso somente o rigor do meu destino. Ao separar-nos, julgo que 
nos fez o mais temível dos males, embora não possa afastar o meu coração do 
teu; o amor, bem mais forte, uniu-os para toda a vida. E tu, se tens algum 
interesse por mim, escreve-me amiúde. Bem mereço o cuidado de me falares 
do teu coração e da tua vida; e sobretudo vem ver-me.Adeus. 
Não posso separar-me deste papel que irá ter às tuas mãos. Quem me 
dera a mesma sorte! Ai, que loucura a minha! Sei bem que isso não é possível! 
Adeus; não posso mais. Adeus. Ama-me sempre, e faz-me sofrer mais ainda.

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