Casa aberta
O acesso ao outro depende do quanto desse outro estamos conseguindo alcançar: se estamos em contato com um outro que habita em nós, nos assombrando a partir das nossas faces não reconhecidas por nós, ou se estamos diante de um outro a quemnos ligamos afetivamente, mas que reconhecemos como diferente de nós, destinatários e fonte de um amor lapidado. Quando não podemos entrar em contato com as nossas exigências, idealizações acerca de nós mesmos, quando acreditamos que estamos faltando ao outro por razões de nossa própria auto-crítica exacerbada, esse outro se torna, então, aquele que, em nosso lugar, nos reenvia as críticas que não suportamos ouvir de nós mesmos. Instala-se, assim, um círculo vicioso de agressividades recíprocas (a parte de mim mesma que me agride com idealizações, se torna a mesma parte vinda desde o outro como cobranças também idealizadas), onde tanto o que é nosso quanto o que é do outro permanece nas sombras, indiferenciado. Nas sombras, no não reconhecimento das nossas exigências de doação e reconhecimento extremos, no medo de uma retaliação que nos chegaria desde esse outro idealizado - reflexo de nossa própria crítica feroz contra nós mesmos - proliferam os mal-entendidos; os vínculos, por não poderem ser apagados, se mantem, apenas, pela parte excessiva do Eu a incidir contra si mesmo, fazendo uso do outro como instrumento de auto-crítica: fazer-se agredir pelo outro se torna, então, uma forma de eternizar a indiferenciação, equívoco maior do amor idealizado. Perdemos, nas sombras, a possibilidade de ampliar a parte do amor que, exagerado, se equivoca por amar demais, amar idealizadamente, amar através de uma cobrança que vindo do "outro-eu", nos aprisiona ao invés de fazer laços. Permanecem nas sombras, Eu e Outro, numa colagem enlouquecida, que impede tanto a aproximação quanto o afastamento. Nas sombras, nem eu nem outro se fazem eu, se fazem outro. Filhos, maridos, pais, irmãos, amigos, amados e amantes - se tornam, assim, depositários de um amor que não ousa dizer seus (outros) nomes.
(Evelin Pestana, Casa Aberta - Página, Psicanálise, Artes, Educação).
Ilustração: Carla Mascaro
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