sábado, 16 de agosto de 2014

Fragmentos

O desejo de encontrar uma alma gêmea não é o desejo de reafirmarmos a unicidade da nossa existência através de outro que é igual a nós. É precisamente o contrário. É poder descansar dessa demanda.
Alma gêmea não é igual. É parecida. Não é um espelho. É uma janela. Não é um reflexo. É uma refracção.
Uma alma gêmea é a prova que não estamos sozinhos. Ou seja: é a prova de que a alma existe. Não faz nem diz o mesmo que fazemos e dizemos — mas tem uma forma de fazer e dizer tão parecida com a nossa, que deixa de interessar o que é dito e feito. Uma alma gêmea faz curto-circuito com os fusíveis corpo/coração/razão. Não é o «quê» — é o «porquê». O estado normal de duas almas gêmeas é o silêncio - é outra forma de falar, que consiste numa alma descansar na outra. Não é a paz dos amantes nem a cumplicidade muda dos amigos. Não precisa de amor nem de amizade para se entender. As almas acharam-se. Não têm passado. Não se esforçaram. Estão! É essa a maior paz do mundo. Como é que um ninho pode ser ninho doutro ninho? Duas almas gêmeas podem ser.
As almas gêmeas quase nunca se encontram, mas, quando se encontram, abraçam-se...
Quando duas almas gêmeas se abraçam, sente-se o alívio imenso de não ter de viver. Não há necessidade, nem desejo, nem pensamento. A sensação é de sermos uma alma no ar que reencontrou a sua casa, que voltou finalmente ao seu lugar, como se o outro corpo fosse o nosso que perdêramos desde a nascença.

*Fragmentos/Miguel Esteves Cardoso*

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