quarta-feira, 17 de abril de 2013

Pão e Poesia

Quando me surge a ideia de que, um dia, eu já fui uma menina de cabelo assanhado a escalar o vão das portas de casa, passa por mim uma sensação intensa de estranhamento: eu, uma garotinha? Eu, uma criança? Assim... tão pequena? A pergunta ecoa e atravessa o outro lado do que sou.
Mas logo após este primeiro momento de estranhamento, vem, meio que subitamente, uma sensação boa de conforto, tal qual o toque de veludo, ou o sol morno do final de tarde. Um conforto familiar, uma coisa de intimidade antiga, de um cheiro que vem de longe, lá do quintal da casa da infância, onde meus pés cresceram despreocupados. Dos pés de jabuticaba. Do doce de leite no fogo. E vem a pueril ilusão da proteção dos pais. A sagrada rotina do convívio com os irmãos, as brincadeiras de rua. A primeira bicicleta.
E o engraçado é que, após este momento de conforto, desta sensação de leveza infantil, deste contentamento tão fácil, tão despretencioso de ser criança, surge muito decidida e intrigada dentro de mim outra sensação de estranhamento: eu, agora, uma adulta? Eu, esta mulher? A pergunta se repete e se repete.
E a coisa se inverte, porque eis que a perplexidade agora vem justamente do fato de eu não ser mais aquela garotinha.

(Ana Luiza Fireman)

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