quinta-feira, 23 de maio de 2013

Miscelânea

Mal entrei naquele autocarro cheio de gente, apressei-me a arranjar o primeiro lugar à janela que encontrei. Gosto de ver a paisagem passar por mim, pitoresca, tragos de sol que teimam em não ficar um dia inteiro, numa viagem pequena, sem grandes atribulações. Encostei a cabeça ao vidro e as minhas memórias rapidamente despertaram, vibrando, acompanhadas de um fechar de olhos, pensamentos bem longínquos dali.

Lembrei-me de ti.

Era pequena, mas achava-me grande. Lembro-me bem que, no primeiro dia, perdida de quereres, cheguei àquela casa velha de tão antiga e encheste-me de perguntas. Um “Ah?” precipitado surgiu-me então e foi nesse mesmo dia que aprendi que interjeições não funcionavam contigo. Ainda hoje é o dia que evito fazê-lo! Talvez em memória a ti.
Naquela cidade tão minha, fui muito feliz. Ecoa-me a música praticada diariamente, os risos e as primeiras manobras de carro. O álcool, os amigos, as vestes negras de um orgulho imenso, o cheiro a natureza, as farras e folias, os apertos nos estudos, os abraços apertados, os sorrisos exagerados, a libertinagem de uma adolescência quase adulta, as minhas coisas, tanto, tudo e toda a gente.

Acordo de repente e a pequena sorria-me.
Naquele autocarro, do qual nunca tinha saído na verdade, parecia-me haver percorrido já milhões de quilómetros, bendita imaginação.
O seu olho verde brilhava de encontro ao meu. 10 Anos de gente, curiosidade aguçada, vestes de menina-princesa, ares de rebeldia arrapazada.
Rasei-lhe os braços com a minha mão esquerda. Tive que lhe perguntar:
- Estavas a olhar para mim, hum?! – Acenou com a cabeça afirmativamente, envergonhada.
- Bem, o que vale é que não estava mesmo a dormir, que costumo falar sozinha.
- Mas falaste…
- Falei?
- Sim, sorriste e suspiraste.
- Oh, mas isso não é falar!
- Claro que sim. Isso é Saudade.

Saiu do autocarro apressada, mochila às costas, nunca mais a vi. Para trás deixou-me, aparvalhada, a pensar naquela pequena que tinha sido tão grande.

È, miúda, Saudade. A expressão assinalada de uma emoção tão nossa, tão nostálgica, tão visível.

Saudade… Saudade è sentir o coração a suspirar e ver a alma a rir!

(Ana Emme)


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