terça-feira, 11 de setembro de 2012

Florbela Espanca

O meu mundo não é como o dos outros, quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê!
Florbela Espanca
 

Sei lá!
Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou? um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo...um canto de paisagem Ou apenas cenário! Um vaivém Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem sou?Sei lá! Sou a roupagem De um doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!... Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor... Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de maldades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Sem remédio
Aqueles que me têm muito amorNão sabem o que sinto e o que sou...Não sabem que passou, um dia, a DorÀ minha porta e, nesse dia, entrou.E é desde então que eu sinto este pavor,Este frio que anda em mim, e que gelouO que de bom me deu Nosso Senhor!Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!Sinto os passos de Dor, essa cadênciaQue é já tortura infinda, que é demência!Que é já vontade doida de gritar!E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,A mesma angústia funda, sem remédio,Andando atrás de mim, sem me largar!
 

Alma perdida
Toda esta noite o rouxinol chorou,Gemeu, rezou, gritou perdidamente!Alma de rouxinol, alma da gente,Tu és, talvez, alguém que se finou!Tu és, talvez, um sonho que passou,Que se fundiu na Dor, suavemente...Talvez sejas a alma, a alma doenteDalguém que quis amar e nunca amou!Toda a noite choraste... e eu choreiTalvez porque, ao ouvir-te, adivinheiQue ninguém é mais triste do que nós!Contaste tanta coisa à noite calma,Que eu pensei que tu eras a minh'almaQue chorasse perdida em tua voz!...

Amiga
Deixa-me ser a tua amiga, Amor,A tua amiga só, já que não queresQue pelo teu amor seja a melhor,A mais triste de todas as mulheres.Que só, de ti, me venha mágoa e dorO que me importa, a mim?! O que quiseresÉ sempre um sonho bom! Seja o que for,Bendito sejas tu por mo dizeres!Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...Como se os dois nascessemos irmãos,Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...Beija-mas bem!... Que fantasia loucaGuardar assim, fechados, nestas mãos,Os beijos que sonhei prà minha boca!...

TEUS OLHOS
Olhos do meu Amor! Infantes loirosQue trazem os meus presos, endoidados!Neles deixei, um dia, os meus tesouros:Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.Neles ficaram meus palácios moiros,Meus carros de combate, destroçados,Os meus diamantes, todos os meus oirosQue trouxe d'Além-Mundos ignorados!Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas...Enigmáticas campas medievais...Jardins de Espanha... catedrais eternas...Berço vindo do Céu à minha porta...Ó meu leito de núpcias irreais!...Meu sumptuoso túmulo de morta!...
 

Saudades
Saudades! Sim... Talvez... e porque não?... Se o nosso sonho foi tão alto e forte. Que bem pensara vê-lo até à morte. Deslumbrar-me de luz o coração! Esquecer! Para quê?... Ah! como é vão! Que tudo isso, Amor, nos não importe. Se ele deixou beleza que conforte. Deve-nos ser sagrado como o pão! Quantas vezes, Amor, já te esqueci, Para mais doidamente me lembrar, Mais doidamente me lembrar de ti! E quem dera que fosse sempre assim: Quanto menos quisesse recordar. Mais a saudade andasse presa a mim!
 

Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!Amar só por amar: Aqui...além...Mais Este e Aquele, o Outro e toda a genteAmar!Amar!E não amar ninguém!Recordar?Esquecer?Indiferente!...Prender ou desprender?É mal?É bem?Quem disser que se pode amar alguémDurante a vida inteira é porque mente!Há uma Primavera em cada vida:É preciso cantá-la assim florida,Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!E se um dia hei-de ser pó,cinza e nadaQue seja a minha noite uma alvorada,Que me saiba perder... pra me encontrar...

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